Recuperação Judicial e WYSIATI

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WYSIATI (What You See Is All There Is ou “o que você vê é tudo que há”) é um conceito criado pelo vencedor do Prêmio Nobel de Economia Daniel Kahneman para designar situações em que as pessoas tomam decisões apenas com base nas informações disponíveis e coerentemente organizadas, desconsiderando as informações omitidas, ainda que relevantes.

Como as pessoas em geral têm conhecimento limitado, além de tempo e recursos escassos para aprofundar-se em assuntos pouco familiares, complexos ou desinteressantes com os quais se deparam, elas tendem a fazer as escolhas que lhes proporcionam maior conforto cognitivo, embora isto conduza a julgamentos enviesados.

Durante um processo de recuperação judicial, toda a coletividade de credores é chamada a decidir sobre o futuro do devedor em crise, e o faz, em tese, a partir dos documentos e informações que são apresentados ao longo do processo, especialmente com a petição inicial e no plano de recuperação. Contudo, embora distribuídas por centenas ou milhares de páginas, paradoxalmente, as informações sobre o devedor são escassas, pouco confiáveis ou tornam-se ultrapassadas ao longo do processo.

Nesse sentido, a lei de recuperação de empresas é falha ao determinar o que divulgar, como divulgar, quando divulgar e como utilizar o que foi divulgado, favorecendo o WYSIATI em várias circunstâncias.

Com frequência, os pedidos de recuperação judicial são justificados por crises macroeconômicas, pela conjuntura política do país, pelas altas taxas de juros dos bancos ou pela variação cambial. Por vezes plausíveis, essas narrativas nada dizem sobre o papel dos administradores da empresa na instalação ou aprofundamento da crise, omitindo dos credores a verdadeira causa do declínio empresarial e eventuais abusos cometidos.

Esse diagnóstico incompleto, aliado a laudos econômico-financeiros inconsistentes ou mesmo ausentes, serve de premissa a planos de recuperação ruins, com carência, deságios elevados, décadas de pagamento, ausência de juros e correção monetária, condições essas que, em muitos casos, não refletem a verdadeira realidade da empresa, desconhecida da maioria dos credores.

Logo, a aprovação irrestrita das medidas propostas, quando colocadas de forma coerente a partir das informações disponíveis, pode viabilizar a perpetuação de maus administradores, agravar a perda dos credores ou disfarçar uma crise irremediável. Se outras informações relevantes fossem apresentadas a todos e as negociações fossem efetivamente democratizadas, permitindo decisões suficientemente conscientes e informadas, a solução seria diferente.

O WYSIATI não afeta somente os credores. Diversos pedidos formulados pelo devedor durante o processo são igualmente acompanhados de justificativas coerentes e até nobres, mas que não revelam todas as informações necessárias à decisão pelo magistrado.

Assim, a liberação das chamadas “travas bancárias”, a declaração de ineficácia das cláusulas de vencimento antecipado, a prorrogação do período de suspensão, a manutenção na posse de bens objeto de alienação fiduciária além do período previsto em lei, ou cuja essencialidade não foi demonstrada, endossam a crença intuitiva de que soluções diferentes impediriam a preservação da empresa, embora seu verdadeiro impacto financeiro raramente seja apresentado.

Como consequência, passa-se a falsa impressão de que o instituto da recuperação judicial cumpre adequadamente suas finalidades, mas, não raro, os processos ineficientes e mal utilizados, com perdas desproporcionais aos credores, desvio de valor, fraudes e negociações individuais paralelas.

Para coibir o WYSIATI, os juízes devem refletir sobre o que precisariam saber antes de formar um juízo sobre as matérias a serem decididas, analisando com prudência a qualidade e suficiência dos elementos que embasam a decisão a ser tomada. Por sua vez, a LRE deveria impor a divulgação tempestiva de todas as informações adequadas e necessárias à tomada de decisão sobre o plano apresentado, além de possibilitar que elas sejam facilmente reunidas, processadas e utilizadas pelos credores dentro de suas respectivas limitações, se possível contando om o auxílio de profissionais especializados e independentes.

 

Autor: Leonardo Adriano Ribeiro Dias

Mestre e Doutor em Direito pela USP, advogado da área de insolvência do ASBZ Advogados, diretor do Instituto Brasileiro de Estudos de Recuperação de Empresas (IBR) e da INSOL International.